segunda-feira, fevereiro 22, 2010

Momento de Poesia com Agostinho Fardilha


Sextina

Saudade, Esperança, Cuidado, Mudança e Tempo

(Em homenagem a Bernardim Ribeiro, poeta do Renascimento, célebre pela sua obra-prima “Menina e Moça”. Viveu entre os séculos XV e XVI (talvez 1482/1552)


I

Ferido p’la saudade,

pensei do mundo fugir,

escondendo-me de tudo

e de ti não me lembrar.

Estulto-disse p´ra mim:

onde há vida, há esperança.

II

O amor é de vida esp’rança,

nele mora a saudade.

Estulto é, para mim,

quem do mundo quer fugir;

e melhor será lembrar

que haverá cuidado em tudo.

III

No meu coração és tudo:

Seres minha há esperança;

E quero sempre lembrar

teu sorriso, com saudade,

que de ti irá fugir

p´ra só habitar em mim.

IV

Fizeste mudança em mim:

farei de pastor em tudo

e das letras quis fugir,

pois te servir tinha esp’rança.

No meu ser há saudade

e cuidado em te lembrar.

V

Certo dia-vou lembrar-

os olhos puseste em mim.

Corei, mas a saudade,

que não pode esconder tudo,

o tempo encheu de esperança,

que ora teima em não fugir.

VI

De ti não quero fugir.

O tempo faz-me lembrar

que eu não perca a esperança,

pois só o estulto, p´ra mim,

abandona ou esconde tudo:

desde o amor à saudade.


Nota: sextina é uma forma poética fixa: seis estrofes de seis versos cada uma e uma finda de três versos (nesta, são os três primeiros versos da 6-ª estância). Este género de composição não é rimado, mas as palavras finais dos versos da 2-ª à 6-ª estâncias repetem as da primeira, segundo a estrutura, que se segue ( a estrutura- comum naquela época- parece complicada, mas o seu enlaçamento é de uma beleza ímpar):



Estrofe 1- ABCDEF

Estrofe 2 – FAEBDC

Estrofe 3 – CFDABE

Estrofe 4 – ECBFAD

Estrofe 5 – DEACFB

Estrofe 6 – BDFECA

Agostinho Alves Fardilha (o meu pai)

Coimbra


Foto: departamentomissionário.files.wordpress

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