quarta-feira, novembro 21, 2012

Momento de poesia com Agostinho Fardilha

Soares de Passos

(1826 – 1860)

“ Se João de Lemos deveu muito da sua reputação ao poema A Lua de Londres, a de Soares de Passos, nascido no Porto, deveu-se e continua a deveu-a à celebérrima composição O Noivado do Sepulcro, poesia que foi tocada, recitada e cantada ao piano até bem dentro já do sec. XX, nos serões românticos que ainda iam sobrevivendo.
Mas o Noivado do Sepulcro foi pasto da voracidade alvar que a explorou das formas e processo mais extravagantes. Foi certamente a poesia culta que mais fundo calou na sensibilidade poética não educada do povo abandonado, por séculos de obscurantismo, à sua ignorância.
Quando chega a Coimbra para estudar Direito, andavam no ar os ecos de O Trovador de João de Lemos. Naquele ambiente pouco mais lhe restava do que explorar novos filões do ultra- romantismo, agora exacerbado de notas fúnebres, quando não necrófilas, embora o seu génio não caiba nesta classificação limitadora, para o que basta considerar as preocupações cientificistas e metafísicas que perpassam pela sua obra. Fundou, em Coimbra, O Novo Trovador”.

Lembremo-lo com as composições poéticas que se seguem e que respeitam a estrutura usada pelo Poeta, na sua poesia emocional.



I
Desânimo


                    1

Por que me deste vida, ó meu Senhor,
se o viver não passa de uma ilusão?
Tudo perpassa sem opositor
e apenas estaca na paz do caixão.

                          2

Que mundo é este onde o amor não existe?
Os vagidos, ao nascer, logo se calam.
Se pensa que à tormenta ele resiste,
louco é: do Universo os caos já o talam.

                 3

O homem nasce e ilusões acumula:
pouco a pouco desvanecendo vão,
porque a implacável morte o estimula
a buscar, depressa, o gelado chão.


II

Sou livre

           1

Em mim vive a liberdade
e nunca será calada;
unida à Humanidade,
é essência harmonizada.
Alguém poderá suster
do Oceano o seu mover?
Não poderei esconder
uma paixão desejada?

          2

A mente de curso muda
como astros no firmamento;
querer ser livre até ajuda
a renovar pensamento,
a rejeitar tirania,
a dominar a abulia,
a reprimir a euforia
e p’ro meu ser, mais talento.


III

Onde estás, Mãe querida?

                     1

Já adormeceste e não me deste teu beijo.
Estás gelada. Chamo e não me respondes.
Dos teus lábios sem cor nem um gracejo.
Algum segredo no coração escondes?

                 2

Não acabaste ontem o conto de Jesus.
Encaraste-me e logo os olhos cerraste.
Nessas mãos amarelecidas uma Cruz
puseram. Perguntei  e não me falaste.

                            3

Meu Pai e meus irmãos estão a chorar.
Disseram-me que para longe partiste.
Vem à tua caçula os olhos secar.
Onde moras agora? Volta. Estou triste.


IV

Ignoto Destino

                 1

Outono é sinal de despedida:
árvores de folhas despojadas,
flores às sepulturas destinadas.
Meu trabalho forçou-me a emigrar,
pensando só vir na Primavera.
Beijei  teus lábios em nosso adeus.
São testemunha os profundos céus
da minha ânsia em breve regressar.

                 2

Levo amargurado o coração,
não esquecendo os dias de alegria,
nossas juras de amor à porfia.
Se os fados me derem fria campa,
peço-te, meu Amor, que no Outono
cubras com pétalas de crisanto
o túmulo de quem te amou tanto
e nossos nomes grava na tampa.

V

Núpcias no Túmulo

                  1

Formosa Lua, o giro suspendeste
ao veres o desfecho do louco amor
que, sob a tua luz, favoreceste
e a dois seres causaste muita dor.

                     2          

Conta-nos breve o drama a que assististe:
“Abriu-se a campa e um fantasma se ergueu,
todo de branco; e o pio muito triste
do mocho o amplo cemitério encheu.

                    3                      

Deambulou e sentou-se num canto.
Aludiu à mulher que cá deixou;
chorando, disse tê-la amado tanto;
porém, com falsas juras, o enganou.

                   4             

Disse-lhe que há três dias ali estava
na terra  fria e nem uma só flor
dela. E talvez outro  amante beijava.
Minha paixão deu lugar ao rancor.

                    5

Mas d’outro lado uma voz de mulher,
coroada de flores e toda alvar,
respondeu: como ao vento o malmequer
se desfaz, sem ti este é o meu lugar.


                  6

Ela convidou o homem da sua vida
para seus corpos unirem abraçados”.
Raiou o dia. Vaga , uma jazida;
Noutra, dois cadáveres entrelaçados.



Vocabulário:
breve: depressa
jura: promessa
jazida: sepultura


VI

A Criação do Universo e sua Extinção

                  1

No Livro do Infinito está o nome
do Criador do Mundo.
Ele escondido vive, sem renome,
de ti aguardando, ao fundo,
que rompas do tabernáculo o véu,
e prostrada  O adores, ó minha Alma,
que ainda habitas a imensidão do Céu.
Não temas e diante Ele agita a palma.

                 2             

Estrelas alumiam Sua Morada.
Sol dirige o Cortejo
d’astros p’la Via Láctea dourada;
seu ardente desejo
é depressa alcançar Trono Divino,
donde Jeovah o Universo governa.
O Oceano, agora criado, o hino
modula para adoração paterna.

                   3           

À Sua Voz raiou a luz do dia
que desfez o escuro.
Novos mundos surgidos, em harmonia
substituem,ora, o muro
do silêncio em cânticos de louvor.
Uma pérola foi encastoada
no santo firmamento do Senhor,
logo que a Humanidade foi criada.

                      4

Homem , faz-te humilde e não arrogante;
em breve, cinzas tuas
serão dispersas à sorte, consoante
rigorosas leis Suas;
glorifica sempre teu Criador.
Gerado foste à Sua semelhança.
Terra, acarinha os filhos com amor.
Anima-os e dá-lhes esperança.

                       5

Não abandones,Terra, agora a rota
do amor, que é de agonia;
fá-lo em trovas que até lesta gaivota
o leva a quem queria
sobreviver ao caos que se aproxima.
Terra , do teu fim já foste avisada.
P’ra bola de fogo mudarás clima,
regressando à antiga caminhada.

                       6

Pouco a pouco o Sol calor perderá
e frio volta a haver.
Escuridão luz substituirá.
Casta luz volta a ter
somente Jeovah, o Sol dos sóis.
P’ra eternidade, do Universo o caos.
Criador da Humanidade depois
chamará os bons, afastando os maus.




Agostinho Alves Fardilha (o meu pai)
Coimbra




                   

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