quarta-feira, maio 15, 2013

Momento de poesia com Agostinho Alves Fardilha


Gomes Leal

(António Duarte Gomes Leal)
1848 – 1921

“Estreia-se em 1866 na GAZETA DE PORTUGAL, com uma poesia intitulada Aguela Morta. Protegido por Luciano Cordeiro, começa a publicar “folhetins” no jornal A REVOLUÇÃO DE SETEMBRO, dirigido por António Rodrigues Sampaio. Em 1873 publica os poemas panfletários de cariz republicano e socialista O TRIBUTO de SANGUE e A CANALHA. Em 1877, Teófilo Braga inclui A CANALHA no Parnaso Português Moderno, prestando assim a primeira homenagem importante a Gomes Leal. Em 1880, integrando-se nas comemorações camonianas nacionais, Gomes Leal publica a FOME DE CAMÕES, identificando-se com o grande vate pelo seu próprio destino de vagabundo genial. Entrgando-se à sua campanha autimonárquica, Gomes Leal publica, em 1881, um panfleto intitulado A TRAIÇÃO contra D.Luís e a sua atitude passiva perante a tão falada possibilidade da venda de Lourenço Marques aos Ingleses.
 Gomes Leal é preso por tratar o rei de salafrário, pandilha, assassino, ladrão. As preocupações políticas vão de par com as divagações místicas que se acentuam cada vez mais, desde HISTÓRIA de JESUS, de 1883, e a primeira versão de O ANTICRISTO (1886). Em 1900 reune várias poesias panfletárias dispersas na colectânea intitulada FIM DE UM MUNDO. Em 1910, Gomes Leal converte-se ao catolicismo, confessando-se publicamente católico e monárquico.
Ele, cuja obra a cada passo se confunde com a vida, é considerado o poeta – génio marginal e predestinado, encarnando os males da Pátria, de Camões e de Bocage. Pertence cronologicamente à Geração de 70”.

Recordemo-lo com as composições poéticas – que se seguem –, respeitando a estrutura dos seus versos e os ideais que professou --- vários ao longo da sua atribulada existência.





I
A vida é um palácio em ruínas


Sonhei que fui levado a um palácio
de paredes esburacadas e sem tecto,
num deserto qual livro sem prefácio,
não alterando do meu sonho o objecto:
sonhei que fui levado a um palácio.

O téctrico palácio sem gente,
com o vento a soprar e o seu ruído
lembram de almas penadas o confidente.
Desapareceu tudo, até Cupido:
o tétrico palácio sem gente.

Por mim chama uma avermelhada rosa,
desconfiada, por entre os buracos.
Diz-me que ali vive a dor e, chorosa,
apela da sua mansão de cacos:
por mim chama uma avermelhada rosa.

O palácio é como o fim de um mundo,
onde jamais viverá a esperança.
Penetra, ó minha dor, e no mais fundo.
C’o a alegria não faças aliança:
o palácio é como o fim de um mundo.



II

A Inglaterra, ave de rapina


Vives no meio do mar,
guiada pelo farol
da cupidez, teu manjar.
Rica, mas baço luar,
obstáculo do arrebol,
só pensas danos causar
às gentes de bom crisol.

Corsos de garra afiada
em nada sois escrupulosa:
roubaram Nação amada,
Portugal assim chamada.
Em África, Mapa Rosa
destruiu, pela calada,
obra ingente e gloriosa.

Malfeitores sempre os Ingleses
que atacaram nossas naus;
sua vida de malteses:
assaltavam os Portugueses
como pássaros bisnaus,
que durante meses e meses
se portaram quais lacraus.

De tudo se apoderavam:
ouro e especiaria
e se outra coisa encontravam
para o mar não a lançavam.
Raça de pirataria,
só amor ao que roubavam,
mesmo fosse ninharia.

Culpa terá monarquia:
um rei quis negociar
Lourenço Marques e mais via.
Recuou, se não havia
luta fraterna a travar.
Mais responsável seria
qu’os netos ruivo muar?


III

Salve, ó Virgem Maria


Deus enviou a semente
que em Nazaré germinou.
Numa árvore simplesmente
uma  Flor nos saudou.

Ia  crescendo em beleza,
com a protecção divina.
Do céu vinha a fortaleza:
já havia traçado a sina.

Com descendente real
casaria, sendo o Pai
Espírito Celestial.
Logo a todos sobressai.

Ia crescendo na Graça,
quando um dia um Anjo veio,
não esperando negaça.
Disse ser de Deus correio.

Serás, sem mácula, a Mãe
do Filho querido do Altíssimo;
Filho e Redentor também
do mundo ora infidelíssimo.

SIM à Vontade Celeste
e em permanente oração,
Mãe, com carinho fizeste
cada um  do Teu Filho irmão.

És deste mundo a Rainha,
do Paraíso a porteira.
Um nosso rei muito asinha
proclamou-Te Padroeira.


IV

A última Ceia


É tempo da Páscoa festejar.
É festa importante para os Judeus.
Discípulos e Mestre vão cear,
mas antes Ele quer lavar os pés seus.

Quando chega a vez dos Apóstolos ao guia,
ele recusa e quase perde o norte.
Mas olhando-O, há muito que O não via
de rosto tão triste e a prever a morte.

Lavados os pés, sentaram-se à mesa.
Enquanto comiam, Jesus falou
sobre a prisão e morte com certeza,
dizendo-lhes que sempre a todos amou

e que com eles estava do Rabi
o traidor e que teve a pouca sorte
de entrergar o Mestre aos Judeus ali:
de rosto tão triste e a prever a morte.

Pedro defendê-lo sempre, jurou.
O Mestre repreendeu-o, afirmando
que, quando o galo se ergueu e cantou,
três vezes, mas firme, O vinha negando.

Toda a Assembleia logo fica muda.
Só o Mestre conserva calmo porte;
de cada um o seu rosto Ele estuda,
de rosto tão triste e a prever a morte.

Porque sofres tanto, Jesus amado?
Temes a dor na crucificação?
Não, penoso irmão do Deus incriado.
Sofro muito com tua Ingratidão!


Agostinho Alves Fardilha (o meu pai)
Coimbra




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